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Indígenas de Campo Grande não conseguem comprovar etnia em documento

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A Funai reconhece o problema que os indígenas em contexto urbano da capital têm enfrentado para fazer as averbações étnicas nos cartórios

Para ter acesso às ações afirmativas direcionadas aos povos originários do país não basta ser indígena, é preciso provar. Essa comprovação de pertencimento étnico para as cotas educacionais, reservas de vagas em concursos, entre outros direitos que a lei apresenta aos indígenas é feita por documentos.

Mas, segundo o Conselho Municipal dos Direitos e Defesa dos Povos Indígenas (CMDDI), apenas 1% dos 18,4 mil indígenas que vivem em contexto urbano na Capital de Mato Grosso do Sul tem sua etnia comprovada na certidão de Nascimento e consequentemente em outras documentações, como o RG.

O principal documento que comprova o pertencimento étnico dos povos originários brasileiros é o Registro Administrativo de Nascimento Indígena, o Rani. Apesar de nenhuma lei indigenista brasileira atribuir essa finalidade a esse documento, na prática social ele ganhou o status de certificado para os indígenas.

A Funai é o único órgão que emite o Rani, conforme previsto pela Lei n° 6001, de 19 dezembro de 1973 (Estatuto do Índio) e regulamentado pela Portaria n° 003/PRES/FUNAI, de 14 de janeiro de 2002. A prática administrativa de registrar o nascimento dos indígenas em livros próprios do órgão indigenista remonta à década de 1920, ainda à época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), antecessor da Funai.

Naquele contexto, o procedimento se justificava devido à tutela exercida pelo Estado sobre essas populações e com a finalidade de controle estatístico do órgão. Com a nova política indigenista instaurada pela Constituição Federal de 1988, tais práticas tutelares ficaram no passado.

Há um ano, Rute Poquiviqui, indígena terena que nasceu em contexto urbano na Capital, precisou tirar a segunda via do seu Rani, mas quando chegou à coordenadoria Regional da Funai em Campo Grande descobriu que o documento não estava mais sendo emitido.

Segundo o órgão, o RANI só é emitido agora nos casos indicados pela Portaria n° 003/PRES/FUNAI, de 14 de janeiro de 2002. Essa normativa se refere a indígenas que não possuem o Registro Civil de Nascimento (RCN), e o Rani vai servir, então, como meio subsidiário para a emissão dele.

“No caso de recém-nascidos, na jurisdição da Coordenação Regional Campo Grande, o mais comum é que já saiam dos estabelecimentos de saúde devidamente documentados com o Registro Civil de Nascimento”.

Explicou em nota a Funai Campo Grande, que atua nas aldeias da Capital e demais de 11 municípios, como Aquidauana, Miranda e Sidrolândia.

O problema é que muitos adultos e crianças indígenas, principalmente as que vivem em contextos urbanos e próximas à cidade, já foram registradas, não têm o Rani e nenhum documento que comprove o seu pertencimento indígena.

Em Campo Grande, onde segundo o último Censo vivem 18.430 indígenas em 24 comunidades espalhadas pelos bairros é fácil encontrar situações assim. Na aldeia urbana “Inamati Kaxé”, ( Novo Dia , na língua Terena), localizada no bairro Santa Mônica, moram 80 famílias indígenas que vieram do interior do estado. Muitos não têm o Rani.

É o caso da doméstica Aurora Pereira Guerreiro, de 56 anos, que veio com o marido de uma aldeia em Nioaque para Campo Grande em busca de serviço.

Ela e a mais oito familiares , entre filhos e netos, não têm o Rani e nenhuma documentação que comprovem seu pertencimento indígena.

“ Eu fui criada com a minha avó, aí eu não sei se ela tinha esses documentos. Aí eu fiquei sem, só o registro mesmo que eu tenho. A maioria quase não tem”.

Afirmou Aurora.

Averbação Étnica

Há um ano os indígenas podem incluir a informação de etnia e aldeia de origem pela averbação do Registro Civil Original e emitirem nova certidão de Nascimento. Antes, os indígenas precisavam entrar na justiça para se declarar nos cartórios.

“Para o nosso povo é complicado, por conta que é burocrático no cartório. As famílias são muito grandes e têm que pagar também, em média uns 250 reais. Então uma família que tem cinco filhos, mais o pai e a mãe. Já é difícil, e também mais a questão burocrática. O cartório para se assegurar de pessoas de má-fé, pede que a gente apresente, não somente a autodeclaração, mas também um documento de pertencimento étnico, ou seja, a nossa Rani que vem lá contando toda a nossa história, os nossos antepassados, nossos ancestrais”.

Explica Rute Poquiviqui, presidente do CMDDI.

A Funai reconhece o problema que os indígenas em contexto urbano da capital têm enfrentado para fazer as averbações étnicas nos cartórios.

“Apesar de válido há um ano, esse procedimento encontra-se em fase de implementação, o que acarreta ainda disparidades nos atendimentos dos cartórios, havendo casos de exigências descabidas por parte de tabeliãs, que, quando notificadas a esta coordenadoria pelos indígenas, merecem o encaminhamento às instâncias responsáveis pela correição dos estabelecimentos cartoriais”.

Diz Funai.

Projeto Piloto

Diante do problema, o Conselho Municipal dos Direitos e Defesa dos Povos Indígenas pediu ajuda ao Ministério Público de Mato Grosso do Sul. Foi o promotor Paulo Zeni, da Promotoria de Justiça de Direito Humanos que ouviu as dificuldades dos povos indígenas.

Em parceria com o poder judiciário através da Coordenadoria Geral de Justiça preparou um projeto piloto para averbação de quatrocentas certidões dos indígenas da capital, de graça, que vão ser entregues no evento anual Registre-se, no início de maio.

“Cada cacique, cada cacica, se comprometeu a fazer o levantamento de sua respectiva área, daquelas pessoas que necessitavam dessa averbação.

A legislação brasileira estabelece uma série de proteções aos povos indígenas, mas para que as pessoas possam usufruir desses benefícios, dessas proteções é preciso que exista uma documentação, uma comprovação dessa condição.

“O poder público também precisa dessa informação pra fazer o planejamento. Como nós vamos planejar o atendimento da sociedade se nós não conhecemos a sociedade?”.

Argumenta o promotor Zeni.

A Corregedoria Geral de Justiça, que coordena todos os cartórios de registro do estado está estudando uma regulamentação para a prática da averbação de pertencimento indígena.

É que a legislação que regulamenta o modo como os cartórios realizam a averbação étnica diz em termos genéricos a possibilidade do uso do Rani ou de outro meio de comprovação, só que não existe uma descrição detalhada desse outro meio, o que gera dúvidas dependendo do cartório e até da experiência da pessoa que está atendendo o indígena.

“Muito em breve isso vai ser verificado para poder garantir esse direito de maneira mais adequada à população. Provavelmente vai ser regulamentada por meio de um provimento que para alterar o nosso código de normas e de fato normatizar essa forma de averbação, as características e como será feito todo esse procedimento”.

Anunciou a diretora da secretaria da Corregedoria Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul, Clarice Prieto.

Essas primeiras 400 certidões são apenas o começo da busca por documentação de pertencimento para os indígenas que vivem em contexto urbano na capital.

“Dos 18.439 moradores indígenas aqui em Campo Grande, eu acredito que chega nem a um porcento que tenha essa questão da averbação. A gente não tem muito domínio da questão da escrita, de burocracias, a gente é mais um povo da oralidade, então, para fazer essa documentação, vai dar muito trabalho.”

Prevê Poquiviqui.

Ainda assim, os indígenas da Capital aguardam com expectativa as medidas do Judiciário em relação à facilitação de acesso às averbações de etnia.

“Precisamos desses documentos com urgência. “É muito importante, principalmente para as crianças, que eles têm um futuro para frente. Eles vão precisar numa faculdade, num trabalho. Para nós também que já somos adultos”.

Diz o vice-cacique da aldeia Novo Dia, Lauércio Moreira.
O vice-cacique da aldeia Novo Dia, Lauércio Moreira (Foto Maxsandro Martins)

Com a informação o Primeira Página.

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