O advogado Benedicto Arthur de Figueiredo Neto ressalta que decisão gera um verdadeiro desiquilíbrio entre as partes
O Supremo Tribunal Federal (STF) já formou maioria de votos no sentido de declarar constitucional o dispositivo do Código de Processo Penal que permite o decreto de prisão caso o réu venha a ser condenado a uma pena igual ou superior a 15 anos no Tribunal do Júri.
O caso tem repercussão geral, ou seja, o que for decidido servirá para todas as instâncias da Justiça. Até o momento, votaram a favor da possibilidade de execução imediata da condenação do júri popular o relator, ministro Luís Roberto Barroso, e os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, André Mendonça e Edson Fachin.
Para o advogado criminalista Benedicto Arthur de Figueiredo Neto, que foi professor de Processo Penal e Filosofia do Direito e é ex-presidente do Instituto dos Advogados de Mato Grosso do Sul (IAMS), é importante se destacar que a presente decisão abre um precedente extremamente perigoso à democracia, que é o direito de todo e qualquer cidadão ter sua decisão revista por um outro Tribunal (art. 5º LV da CF).
“O sério problema da interpretação dada pelo Supremo em validar essa questão é a desnaturação e o esvaziamento do princípio da plenitude de defesa, na sua modalidade autodefesa. É certo que é direito do réu solto, como princípio democrático de exercer a sua defesa, ir presencialmente ao plenário e alternativamente realizar a sessão por videoconferência ou simplesmente se abster de ir”, declarou.
EXTERIORIZAÇÃO
Benedicto Neto completou que a exteriorização da autodefesa é o elemento intrínseco e extrínseco mais importante no momento da formação do convencimento dos jurados.
“É na autodefesa que cabe ao réu o seu direito de escolha de presencialmente relatar a sua versão dos fatos, bem como levar as suas impressões sobre o que é acusado e exteriorizá-la verbalmente e gestualmente para poder se defender, como assim o é em qualquer democracia”, argumentou.
Ele acrescentou que essa decisão do STF causará temor em todo e qualquer cidadão que responde solto por um processo no Tribunal do Júri para ali comparecer.
“Essa decisão, na verdade, em vez de prestigiar a primeira premissa da Instituição do Júri [a plenitude de defesa], vem colocar um novo ingrediente maléfico na impressão dos jurados, caso o réu solto decida realizar o júri por videoconferência”, alertou.
O criminalista relatou que a atitude dá uma conotação negativa na imagem do réu que respondeu solto o processo inteiro e que no dia do julgamento se absteve de ali estar presencialmente para exercer a sua autodefesa por vídeo, mas que, na verdade, ele sabe que lhe foi castrado o seu direito de duplo grau de jurisdição, caso venha a ser condenado.
O advogado ressaltou que a decisão do Supremo gera um verdadeiro desequilíbrio entre as partes, em que a acusação nada precisa dizer sobre a ausência física do réu solto, pois o próprio Poder Judiciário lança o seu argumento de autoridade implícito para gerar no corpo de jurados a impressão de culpado pelo seu não comparecimento presencial.
“Com todo respeito, mas essa decisão do Supremo Tribunal Federal gerará inúmeras decisões equivocadas no Tribunal do Júri, a fim de atender, erroneamente, a um momento político pelo qual o Código de Processo Penal foi reformado, e se esquece de ver toda a história de construções de direitos e garantias que a humanidade lutou para conquistar”, analisou.
CASO CONCRETO
O processo que foi escolhido para formulação da tese no Supremo veio de Santa Catarina. Trata-se de um recurso do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que invalidou a prisão de um condenado pelo Tribunal do Júri por feminicídio qualificado e posse irregular de arma de fogo.
O STJ entendeu, na ocasião, que o imediato cumprimento da pena não poderia ser determinado antes de se esgotarem os recursos e sem a confirmação da condenação pelo tribunal de segunda instância.
O Tribunal do Júri de Chapecó (SC) havia condenado um homem a 26 anos e 8 meses de prisão, por ele ter matado a sua ex-companheira.
Conforme o processo, o crime foi cometido por ele não se conformar com o fim do relacionamento e com o objetivo de ter a guarda da única filha do casal. Após a condenação, o juiz-presidente do Tribunal do Júri negou ao réu o direito de recorrer em liberdade.
POSIÇÃO DO RELATOR
Para o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, o imediato cumprimento de pena aplicada pelo Tribunal do Júri “não viola o princípio da presunção de inocência” e nem contraria precedentes fixados pelo STF.
“A presunção de inocência é princípio [e não regra] e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes”, afirmou.
“Além disso, não se está a negar a possibilidade de interposição de recurso ao condenado, mas apenas a se estabelecer que a decisão proferida pelo Tribunal do Júri possui exequibilidade imediata”.
O ministro também disse que a base para autorizar a execução imediata da condenação “não está no montante da pena aplicada pelo respectivo juiz-presidente”, mas na soberania “conferida aos veredictos do Tribunal popular, por vontade expressa do texto originário da Constituição”.
Ele propôs a fixação da seguinte tese de julgamento: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.
Com a informação o Correio do Estado.