Processo foi instaurado porque ele colocou em liberdade, com uso de tornozeleira, traficante condenado a 126 anos de prisão
Por 11 votos a 4, o Conselho Nacional de Justiça decidiu e instaurar Processo Administrativo Disciplinar para investigar o desembargador Divoncir Schreiner Maran porque em 21 de abril de 2020, durante um plantão de feriado, autorizou que um dos mais conhecidos traficantes do Brasil, Gerson Palermo, fosse colocado em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira.
Entre os principais argumentos acatados pelos conselheiros que votaram contra o desembargador estão o fato de ele não ter ouvido o Ministério Público, ter tomado a decisão em um plantão, o fato de o réu ter condenação de 126 anos e ter menosprezado a informação de que ele é piloto aéreo e teria facilidade para fugir do país.
Os quatro que votaram a favor de Divoncir levaram em consideração principalmente o fato de a soltura ter ocorrido por conta da pandemia, em um período em que havia muitas dúvidas a respeito das consequências do covid. Mas, o corregedor do CNJ, Luis Felipe Salomão, voltou a reforçar que a defesa não apresentou nenhum atestado médico para justificar a sua soltura.
A partir de agora, o CNJ passa a elaborar provas para um futuro julgamento, que por ter como resultado a absolvição total, uma simples advertência e até aposentadoria compulsória, o que equivale à demissão. A última vez que um magistrado do Estado foi demitido foi em fevereiro de 2021.
O julgamento havia começado no dia 23 de agosto, quando o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Melo pediu vistas para analisar melhor o caso, que já estava na casa fazia mais de três anos. Naquele, dia além do corregedor, o conselheiro Mauro Martins também já havia declarado seu voto pela abertura do processo disciplinar.
E, conforme o previsto, nesta terça-feira os outros 13 integrantes do Conselho declararam seu voto e apenas quatro foram favoráveis ao desembargador do Tribunal de Justiça de MS.
Entre os que votaram contra está a presidente do Conselho, a ministra do STF Rosa Weber, que já havia deixado claro que a pandemia estava só começando e, no seu entendimento, este argumento era frágil demais para justificar a soltura de um traficante de tamanha periculosidade.
Depois da proclamação do resultado, o advogado André Borges, que defende o desembargador e esteve na audiência em Brasília, declarou que a partir de agora a “defesa vai acompanhar a produção das provas e que está segura de que no final a verdade prevalecerá, com absolvição”.
O caso somente chegou ao CNJ porque o juiz Rodrigo Pedrini Marcos, da 1ª Vara Criminal de Três Lagoas, insistiu em apontar supostas irregularidades da soltura do traficante. Em suas denúncias, o magistrado lembra que a liminar que concedeu prisão domiciliar com uso de tornozeleira a um traficante que já tinha 126 anos de condenação, era um dos mais conhecidos traficantes do Estado e atuava como piloto para o crime organizado foi concedida estranhamente durante o plantão do feriadão de 21 de abril de 2020.
André Borges, em sua defesa, alegou que a liminar fora concedida durante o plantão porque o país enfrentava a pandemia do coronavírus e que a defesa do traficante alegava que ele corria risco de ser infectado caso continuassem em regime fechado.
O corregedor, porém, entendeu que nada comprovava que Palermo realmente corresse algum risco e disse, inclusive, que a prisão em que ele estava não havia casos da doença àquela época.
Mas, segundo André Borges, Gerson Palermo se enquadrava nos critérios de uma recomendação do próprio CNJ para cumprir pena em regime domiciliar, caso os magistrados assim o entendessem. Essa recomendação, segundo Borges, excluía somente homicidas, estupradores e autores de latrocínio. Ou seja, nem mesmo o CNJ havia proibido a “soltura” de traficantes.
Na denúncia que o juiz de Três Lagoas levou ao CNJ, ele insinua que o pedido de liminar foi feito exatamente naquele dia porque os advogados de Palermo sabiam que Divoncir Maran estava de plantão. Prova disso, segundo ele, é que outros três plantonistas já haviam trabalhado depois que o juiz de primeira instância negou o pedido de relaxamento da prisão e mesmo assim o recurso não fora impetrado.
O denunciante também estranhou o fato de o desembargar ter assinado a liminar logo no começo da manhã do dia 21 de abril, às 08:11 e, 40 minutos depois já mandou cumprir a decisão. As outras liminares concedidas por ele naquele dia, conforme o corregedor do CNJ, só foram assinadas bem mais tarde.
No dia seguinte à concessão da liminar, um outro desembargador revogou o benefício por entender que o traficante não se enquadrava nas normas legais para a prisão domiciliar. Porém, antes de ele ser recolhido novamente à prisão, rompeu a tornozeleira e fugiu. Depois disso nunca mais foi encontrado.
Preso pela última vez em 2017 pela Polícia Federal, Palermo tem uma série de passagens pela polícia por envolvimento com o tráfico de cocaína desde 1991. Ele participou, também, do sequestrou de um avião que levava malotes com R$ 5,5 milhões do Banco do Brasil no ano de 2000.
CASO TÂNIA BORGES
Esta não é a primeira vez que o juiz Rodrigo Pedrini “corta a própria carne”. Foi ele o autor das denúncias que culminaram na aposentadoria compulsória da desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, em fevereiro de 2021.
Assim, como no caso de Divoncir, ele estranhou o fato de a desembargadora ter ido pessoalmente liberar o filho no presído em Três Lagoas, onde estava depois de ter sido flagrado traficando maconha e municções. Conforme a denúncia, ela usou do cargo para beneficiar ilegalmente o filho e por isso acabou sendo “demitida”.
Com 74 anos, Divoncir tem somente mais um ano na magistratura, pois aos 75 terá de se aposentar compulsoriamente. E, segundo André Borges, seu advogado, o julgamento no CNJ não tem prazo para ocorrer e “pode demorar”.
Ele está na magistratura desde 1981 e em 2000 foi promovido a desembargador. Entre 2015 e 2017 presidiu a Justiça Eleitoral e logo na sequência foi presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Com a informação o Correio do Estado.