Réus afirmam que não sabiam da capacidade letal da mangueira de ar comprimido e pediram perdão durante júri
Primeiro a depor entre os acusados, Thiago Giovanni Demarco Sena disse não saber do potencial destrutivo da mangueira de ar comprimido, que teria sido introduzida na região do ânus da vítima.
Segundo ele, todos eram amigos e nunca tiveram desavença. Ele afirma ainda que não era a primeira vez que brincavam com a mangueira, direcionando o jato de ar para o rosto ou outras partes do corpo.
No dia do crime, ele afirma que Wesner e Willian estavam brincando com o compressor e que a vítima teria iniciado.
Thiago, que estava fazendo a lavagem embaixo de um carro, também entrou na suposta brincadeira.
“Eu com a mangueira na mão, em tom de brincadeira falei ‘de novo você fazendo isso Wesner’. Peguei e direcionei a mangueira na bunda dele por cima do short, com ar do compressor aberto, que eu já vinha usando, encostei, pressionei por nem três segundos”, disse o réu.
“Na hora ele reclamou e pediu para parar, falou que tava doendo, na hora eu desliguei a mangueira”, afirmou ainda.
Ainda segundo o acusado, Wesner vomitou várias vezes e reclamava de dor. Ele levantou a blusa e a barriga estava inchada. Wesner teria reclamado novamente que estava com muita dor e foi levado ao posto de saúde pelos dois acusados.
“Peguei ele no colo, entrei com ele no posto de saúde e pedi pelo amor de Deus para ajudar ele, que ele estava mal, coloquei ele em cima da maca e pedi para o doutor pelo amor de Deus salvar o guri”, contou, chorando.
A vítima precisou ser transferida para a Santa Casa de Campo Grande devido à gravidade do caso.
Questionado se tinha consciência que o compressor de ar pudesse causar danos graves e levar a morte, Thiago disse que não sabia do risco.
“Eu nunca imaginei que pudesse acontecer o que aconteceu com ele, se eu soubesse jamais teria brincado com ele com o compressor”, afirmou.
Já com relação a alegação de que Willian teria segurado Wesner para que a mangueira de ar fosse introduzida, Thiago também negou.
“Ele não segurou, ele veio com ele abraçado, caminhando, e eu fui de encontro. Ninguém tava segurando, apertando, forçando ninguém”, alegou.
A vítima precisou ser transferida para a Santa Casa de Campo Grande devido à gravidade do caso.
Thiago disse que pediu perdão para a mãe de Wesner no dia do crime, mas ela teria dito que quem perdoa é Deus e não queria contato. Durante o júri, ele pediu novamente perdão para a mãe da vítima e para a família.
Na sequência, o outro acusado, Thiago Giovanni Demarco Sena depôs e, chorando, também afirmou que o caso se tratou de uma brincadeira que deu errado.
Ele confirmou a versão de Willian, de que todos eram amigos e estavam brincando quando a mangueira foi encostada em Wesner.
“Foi muito rápido, a mangueira de ar estava aberta, não é de ficar apertando para liberar o ar. Pegou e bateu nele e Wesner falou que a barriga tava doendo”, contou.
Ele disse ainda que ficaram presentes durante o atendimento da vítima.
“A gente sempre se deu bem, a gente sempre brincou. A gente nunca teve maldade, sempre jogava bola, nunca passou na minha cabeça machucar ninguém, nunca tive maldade com ninguém”, afirmou.
Ele disse ainda que as brincadeiras com o compressor de ar eram comuns, mas não com direcionamento para as partes íntimas e nunca na maldade.
Diferentemente de Thiago, Willian afirmou que sabia que havia perigo com o compressor de ar de causar danos quando direcionado nos olhos, ouvido e boca, mas que não sabia que havia risco de machucar ou matar o rapaz.
No hospital, Wesner teria dito a uma assistente social que foi segurado por Willian enquanto Thiago aplicava o ar comprimido.
Ele negou a afirmação e disse que não estava segurando a vítima e que tudo foi uma brincadeira.
“Foi questão de segundos. Era uma brincadeira, a gente sempre brincou, era sempre rindo”, disse.
O júri continua durante o período da tarde.
Mãe quer justiça
Marisilva Moreira, 50 anos, mãe de Wesner, voltou a pedir justiça na porta do Fórum.
Ela reafirmou que prometeu para o filho no hospital que iria lutar para que os acusados pagassem pelo crime e que ela espera poder cumprir essa promessa hoje.
“Eu não quero eles [acusados] mais perto de mim, mas eu quero que eles paguem o que eles fizeram”, disse.
Ela disse ainda que passou a madrugada acordada, em oração e que espera a condenação dos réus.
“O menino tinha um coração de ouro, foi criado na base de respeito, era trabalhador e tinha sonhos, de carreira militar, cuidar de mim para não faltar nada, a preocupação dele era não faltar nada para nós”, disse.
Ela disse ainda que não acredita na absolvição dos acusados.
“O que está na minha cabeça e no meu coração é que chegou a hora deles pagarem o que eles fizeram”.
Caso
No dia 3 de fevereiro de 2017, mangueira de ar teria sido introduzida no ânus de Wesner pelo patrão e colega de trabalho em lava jato na Vila Morumbi.
Durante o decorrer do processo, houve controvérsias em relação ao posicionamento da mangueira.
Enquanto os acusados e algumas testemunhas dizem que foi colocada por cima da roupa, outras informam terem ouvido Wesner dizer que a mangueira foi introduzida nele.
O local chegou a ser incendiado. Já em depoimento à polícia, os agressores alegaram que tudo se tratava de uma “brincadeira” e foram liberados logo em seguida.
Perfurações levaram a retirada do intestino grosso do adolescente, que ficou vários dias internado, mas morreu no dia 15 do mesmo mês.
Era ele quem mantinha a família há um mês com o que ganhava lavando carro, pois a mãe não trabalhava e o pai se tratava de um câncer.
Júri popular
Em 2018, o juiz Carlos Alberto Garcete de Almeida decidiu que os acusados não iriam a responder por homicídio doloso e, desta forma, não seriam mandados a júri.
Segundo ele, o crime doloso não teria ocorrido, devido a ter ficado comprovado, em depoimentos de familiares, que acusados e a vítima eram amigos e o caso teria decorrido de uma “brincadeira”, devendo os dois responderem por outro crime, que não doloso contra a vida.
O Ministério Público Estadual (MPMS) recorreu, pedindo a reforma da sentença de pronúncia para que os réus respondessem por homicídio doloso, sendo submetidos ao Tribunal do Júri.
Em junho de 2019, desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul deram provimento ao recurso.
Conforme o acórdão, os magistrados consideraram que não há como afirmar que a ocorrência do dolo eventual é manifestamente inadmissível se demonstrados nos autos que os acusados podiam prever os danos que a injeção de ar comprimido na vítima poderiam causar.
“…Cabe ao Conselho de Sentença, diante dos fatos narrados na denúncia e colhidos durante a instrução probatória, a emissão de juízo de valor acerca da conduta praticada pelo réu”, diz a decisão da época.
Conteúdo retirado do Correio do Estado.