A pandemia de Covid-19 trouxe inseguranças e incertezas, além de expor fragilidades em diversas áreas, sobretudo pensando na crise sanitária e nas problemáticas que envolvem a saúde mental.
Além das crianças, que tiveram prejuízos de aprendizado devido ao período de aulas remotas, estudantes de pós-graduação, que convivem com uma rotina de prazos, grande carga de leituras e produção de textos, o momento trouxe impactos significativos associados especialmente à pressão por produtividade.
Pesquisa divulgada pela Funcação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicada na revista científica ‘International Journal of Educational Research Open’, revelou o impacto da pandemia da Covid-19 nas atividades acadêmicas e na saúde mental de estudantes de pós-graduação de diversos estados do Brasil.
A pesquisa aponta que 45% dos alunos foram diagnosticados com ansiedade generalizada e 17% com depressão, durante o primeiro ano da pandemia.
De acordo com os dados disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (Sus), a Covid-19 já matou mais de 692 mil pessoas no Brasil.
Segundo os pesquisadores, estudos anteriores à pandemia já mostravam que problemas de saúde mental são mais frequentes entre estudantes de pós-graduação do que na população em geral.
Aproximadamente 6 mil estudantes participaram da pesquisa, destes, mais de 80% tiveram que alterar seus projetos de pesquisa durante o período pandêmico.
Além disso, mais de 60% relataram crises de ansiedade e dificuldade para dormir.
Falta de motivação e problemas de concentração foram reportados por quase 80% dos pós-graduandos.
O estudo foi realizado com base em questionários distribuídos entre novembro e dezembro de 2020. Naquele ano, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registradas mais de 192 mil mortes de Covid-19 no Brasil.
No Centro-Oeste, foram mais de 650 pós-graduandos entrevistados.
Já no estado de Mato Grosso do Sul, por exemplo, os acadêmicos de universidades públicas, como a UEMS, UFMS e UFGD, além da faculdade privada UCDB, responderam aos questionários.
O estudo foi desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), com participação de pesquisadores do IOC da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Mato Grosso do Sul
Uma das responsáveis pela pesquisa, Roberta Pires Corrêa, afirma que os dados do estudo deixam em evidência a situação de estresse enfrentada pelos discentes durante a pandemia.
“Os estudantes viveram incertezas, medo e perdas, no contexto estressante da pós-graduação, onde há muita pressão para ser produtivo e cumprir prazos. Um terço precisou procurar atendimento psicológico e uma pequena parcela, de quase 17%, usou medicamentos ansiolíticos ou antidepressivos sem prescrição”, pontua Roberta.
Como é o caso de Bárbara Simabuco (33), mestranda em Estudos de Linguagens pela UFMS, que discorre sobre como a pandemia afetou sua trajetória enquanto acadêmica e pesquisadora, para ela, foram diversos problemas que atingiram sua trajetória, o isolamento social foi um deles.
“A primeira coisa que me afetou foi o isolamento social, principalmente do grupo de pesquisa que era bem unido. Essa parte foi muito complicada”, expõe Bárbara.
Bárbara, que já fazia tratamentos para a depressão e para o TDAH antes da chegada da Covid-19 no Brasil, afirma que seu percurso de pós graduação em uma conjuntura de pandemia contribuiu para que sua saúde mental ficasse ainda mais debilitada, além do fato de que ela teve que abandonar alguns tratamentos durante esse período.
“Quanto à saúde mental, piorou bastante, né? Porque eu já fazia tratamento contra a depressão e o TDAH e piorou muito a minha depressão e combinado a isso o remédio que eu tomava para controlar o TDAH começou a ser ruim pra minha depressão. Então eu tive que parar e aí foi muito difícil mesmo, né? Porque piorou bastante esse quadro de depressão e eu fiquei sem tratamento pro meu TDAH”, desabafa a acadêmica.
Além disso, com as reconfigurações das práticas de ensino, onde as salas de aula foram substituídas por telas, através do ensino remoto, tanto os acadêmicos quanto os docentes tiveram que se readaptar às novas conjunturas educacionais.
Outra questão explicitada pelos dados da pesquisa diz respeito às alterações que, impostas pela pandemia, os alunos e pesquisadores tiveram que realizar em seus projetos de pesquisa.
Sendo que 9% mudaram completamente seus estudos, 35% fizeram alterações significativas e 37%, mudanças leves.
Para o mestre e pesquisador (de 28 anos) em Educação na linha de pesquisa Gênero e Sexualidades, Cultura, Educação e Saúde pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – Campus do Pantanal – (UFMS/CPAN), que preferiu não se identificar e que cursou sua pós-graduação durante os picos da pandemia no Brasil, seu projeto de pesquisa teve que sofrer alterações devido ao isolamento social acarretado pela crise sanitária da Covid-19.
O mestre da área da educação discorre sobre as limitações que a pandemia impôs em seu percurso de pesquisa.
“A pandemia ‘limitou’ a minha pesquisa. De 2020 a 2022, eu pesquisei as masculinidades das baterias de escolas de samba do carnaval de Corumbá/MS. Devido a pandemia, eu e o meu orientador mudamos a nossa metodologia e inserimos o campo online na pesquisa, portanto eu também fiz buscas em portais de notícias, vídeos no Youtube, páginas do Facebook, Instagram etc”, avalia o pesquisador.
Além disso, tanto os acadêmicos quanto os docentes tiveram que se readaptar às novas conjunturas educacionais.
O mestre e pesquisador de 28 anos afirma que se sentiu privilegiado por não ter sua saúde mental afetada diretamente pela conjuntura pandêmica, já que estava, há tempos, tratando de sua plenitude mental.
“Antes da pandemia e da pós-graduação, eu já vinha tratando uma depressão severa com sintomas psicóticos com psicoterapia, medicamentos, atividade física, alimentação, sono etc. Fiz/faço de tudo para melhorar. Por outro lado, o período eleitoral, tanto de 2018 quanto de 2022, afetaram a minha saúde mental sim,” finaliza o pesquisador.
Pesquisa
A pesquisa contou com a participação de cerca de 5,985 estudantes, que responderam formulários online no período de outubro a dezembro de 20202.
Cerca de 94% dos entrevistados estavam matriculados em cursos Stricto Sensu, sendo 51% no mestrado e 43% no doutorado. Por fim, 6% eram alunos de cursos de especialização, chamados de Lato Sensu.
O estudo indica que, de forma geral, o perfil dos respondentes reflete o dos estudantes de pós-graduação do país e alcançou todas as regiões do país e teve participação de acadêmicos de diferentes áreas do conhecimento.
Ainda de acordo com a pesquisa, cerca de 50% dos respondentes eram jovens, com idade entre 18 e 30 anos; 70%, mulheres e 30% homens.
O artigo publicado é parte da tese ‘A pandemia de Covid-19: impactos e desafios em comunidades acadêmicas e de saúde brasileiras’, defendida por Roberta Corrêa, no Programa de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde do IOC.
A pesquisa aponta que 96,32% dos pesquisados estão frequentando universidades públicas, enquanto que 3,7% estão matriculados em faculdades particulares.
O estudo concluiu que a pandemia da Covid-19 causou diversos impactos na saúde mental dos pós-graduandos brasileiros.
Segundo o artigo, dentre diversas questões, os estudantes e pesquisadores sentiam-se desmotivados, com dificuldade de concentração, com insônia, além de altos níveis de ansiedade e depressão.
Além disso e ainda conforme a pesquisa, os dados apontam para um regime de estresse contínuo no qual os acadêmicos estavam submetidos:
“Nossos dados reforçam que, apesar de enfrentar as adversidades da pandemia e estar sob estresse contínuo, os alunos estavam comprometidos com sua trajetória acadêmica, mas a pesquisa mostrou que ainda há necessidade de programas de pós-graduação para oferecer atividades acadêmicas mais flexíveis, bem como a implementação de projetos em andamento para apoiar a saúde mental dos alunos(tradução livre)”, informa o artigo.
Suporte
O texto da pesquisa indica que, dos estudantes que buscaram apoio emocional, mais da metade se voltou para os amigos.
Cerca de 15% procuraram seus orientadores. Apenas 1%, os comitês de apoio aos discentes.
A maioria dos estudantes também não buscou a coordenação do curso de pós-graduação e 5% disseram não ter recebido apoio, apesar da solicitação.
Segundo os pesquisadores, estudos anteriores à pandemia já mostravam que problemas de saúde mental são mais frequentes entre estudantes de pós-graduação do que na população em geral.
A emergência sanitária agravou a situação, reforçando a importância de serviços de acolhimento.
“Cerca de 10% dos estudantes disseram que as coordenações dos cursos ofereceram apoio aos alunos através de programas específicos. Essas ações são imprescindíveis e os programas devem investir cada vez mais nelas”, ressalta o coorientador do projeto, Paulo Stephens.
“É importante que os cursos mantenham esses programas de forma contínua, para que os estudantes se sintam acolhidos e tenham confiança de que podem discutir questões de saúde mental sem preconceito”, enfatiza Roberta.
Conteúdo retirado do Correio do Estado.