Investigação expôs suposto esquema de venda de sentenças no judiciário Sul-Mato-Grossense
A Polícia Federal e a Receita Federal iniciaram, na quinta-feira (24), a operação “Ultima Ratio”, que resultou no afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) sob suspeita de envolvimento em um esquema de venda de sentenças. Os magistrados investigados são:
- Sérgio Fernandes Martins, presidente do TJMS;
- Sideni Soncini Pimentel, presidente eleito para os anos de 2025 e 2026;
- Vladimir Abreu da Silva, vice-presidente eleito para o mesmo período;
- Alexandre Bastos, desembargador;
- Marcos José de Brito Rodrigues, desembargador.
Além dos desembargadores, a investigação abrange outros servidores do judiciário, um procurador de Justiça, empresários e advogados, incluindo alguns que são filhos dos magistrados, acusados de crimes como lavagem de dinheiro, extorsão, falsificação de documentos e formação de organização criminosa.
O jornal tentou contatar a defesa dos desembargadores, mas não obteve resposta até a última atualização desta matéria.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) detalha no inquérito a conexão entre os cinco desembargadores e a constituição de uma vasta rede para a comercialização de sentenças judiciais.
Apelidos evidenciam intimidade entre advogados e desembargadores, apontou PF
Além de extratos bancários, notas fiscais de carros de luxo, registros cartorários de mansões e malas de dinheiro, o relatório de 850 páginas da Polícia Federal que embasa a operação Ultima Ratio traz uma série de apelidos usados entre os envolvidos na investigação. E estes codinomes, que revelam a intimidade entre os investigados, segundo a Polícia Federal, são outra prova da existência de um amplo esquema de venda de sentenças judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
No relatório, o desembargador Marcos Brito, um dos cinco afastados por 180 dias por determinação do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, é o principal alvo daquilo que, se fosse entre crianças, muitos classificariam como bullyng.
“Voltando às mensagens entre FELIX JAYME e PAULO FENNER, contidas no celular do primeiro, no dia 08/04/2019, FELIX pede a PAULO para “depositar o do GORDO” e que ele “já tá me lingando” “não fura”. Mensagem de áudio de FELIX: “Dia meu amigo Paulo. Paulo, que horas você vai depositar o do Gordo ai, já tá me ligando aqui. Não fura hoje não hem Paulo. Um abraço meu amigo. …”
Mais adiante, o relatório da PF deixa claro de quem eles estavam falando: “Portanto entendemos estar demonstrado que quando FELIX afirma que pagou GORDO, está dizendo que efetuou pagamentos a MARCOS BRITO em razão da decisão proferida por ele em 02/04/2019 no processo de PAULO FENNER”, escreve o delegado Marcos Damato.
Neste mesmo relatório, o desembargador Marcos Brito, conhecido como Marcãom, também é tratado por um terceiro apelido. “Nas mensagens abaixo RENÊ SIUFI informa que vai levar whiskys para MARCOS BRITO. Demonstram intimidade, sendo que o advogado o chama pelo apelido de MARCOLA”.
“Marcola, deixei na portaria um velho e um novo. Faça como Mate Leão – use e abuse. Abs”, diz mensagem de wattsapp enviada pelo advogado criminalista Renê Siufi enviado ao desembargador.
E esta não foi a única vez que o advogado manda agrados ao magistrado, conforme extraiu a PF do celular do advogado. “Marcola, deixei para você aquele Whisky , um jiló é um doce de mangaba. Um feliz Natal é um ano novo com saúde e paz!”, diz mensagem de dezembro de 2019.
BOLACHINHA
Marcos Brito não é o único alvo de “bullyng” entre os investigados. O presidente do Tribunal, Sérgio Martins, é chamado de Bolachinha pelo advogado Félix Jayme, que já foi seu sócio em um escritório de advocacia antes de ele ser nomeado para o Tribunal de Justiça, em 2007.
“Em 08/04/2021 (quinta-feira), FELIX envia mensagem a DANILLO confirmando o resultado e reforçando a compra da decisão do TJMS, pois diz que “tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 a 2”: “Oh Solito, o seu eu vou sacar hoje, tá, é que eu tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 x 2 lá, Bolachinha, Marcão e Divoncir, oh, coisa boa hein, Solito, aí, o seu eu ranco hoje, ontem eu terminei de pagar os caras lá”, diz trecho do relatório da PF.
Logo em seguida o delegado explica que “aparentemente os desembargadores que venderam seus votos foram os três últimos (SERGIO MARTINS seria o BOLACHINHA citado por FELIX na mensagem)”.
PIMENTINHA
Mas não são somente os advogados que demonstram intimidade. O contrário também ocorre. Alvo de pedido de prisão, ex-desembargador Júlio Siqueira, que se aposentou em julho, trata o advogado Rodrigo Pimental, de Didi Pimentinha.
Rodrigo é filho de desembargador Sideni Soncini Pimentel, também afastado de suas funções no último dia 24 de outubro.
“A nosso ver, a intimidade entre o Desembargador JULIO CARDOSO e o Advogado RODRIGO PIMENTEL, inicialmente, conforme exposto acima, verifica-se que JULIO utoliza apelido para RODRIGO: “DIDI” e “DIDI PIMENTINHA”. Os dados em nuvem de JULIO CARDOSO demonstram que eles realizaram viagens juntos para pescarias utilizando avião de RODRIGO PIMENTEL. Isso é verificado no fato de que o avião aparece nas imagens e também constam imagens de documentos de abastecimentos. Nas imagens das viagens de pescarias também estão aparentemente o Desembargador do TJMS VLADIMIR ABREU DA SILVA e o pai de RODRIGO, o Desembargador do TJMS SIDENI SONCINI PIMENTEL.”
Vladimir Abreu, que é citado neste trecho do relatório, também foi afastado por determinação do STJ porque, segundo a PF, fazia parte de um suposto esquema de venda de sentenças envolvendo magistrados e escritórios de advocacia, a maior parte comandada por filhos de desembargadores.
STF suspendeu tornozeleiras de desembargadores e confisca passaportes
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, determinou a suspensão do uso de tornozeleiras eletrônicas pelos desembargadores Sideni Soncini Pimentel, Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de Brito Rodrigues e Alexandre Bastos, investigados por envolvimento em um esquema de venda de sentenças no judiciário de Mato Grosso do Sul. A decisão também inclui a entrega dos passaportes à Polícia Federal como parte das medidas cautelares impostas aos magistrados.
Essa medida ocorre após o ministro Zanin já ter revogado a tornozeleira do desembargador Sérgio Fernandes Martins, outro investigado no caso. Sérgio, que estava afastado desde outubro, retornou recentemente à presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), após a operação “Ultima Ratio” que investiga os crimes.
A operação, deflagrada em outubro, apura corrupção, lavagem de dinheiro, falsificação e organização criminosa envolvendo magistrados do estado. Mandados de busca e apreensão foram expedidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e cumpridos em diversas cidades, como Campo Grande, Brasília, São Paulo e Cuiabá. Além dos desembargadores, servidores do judiciário, advogados, empresários e um procurador de Justiça estão sendo investigados.
A decisão de Zanin também determinou o afastamento dos desembargadores de suas funções, medida que já dura um mês. Enquanto permanecem afastados, os magistrados continuam sendo investigados, com proibição de acessar órgãos públicos e de se comunicarem com outros investigados. Outros envolvidos, como filhos de alguns desembargadores, também são investigados por crimes relacionados à organização criminosa.
O caso segue em segredo de justiça, e tanto o STF quanto o STJ não divulgam detalhes sobre o andamento do processo. Os cargos dos desembargadores afastados foram preenchidos por juízes convocados pelo TJMS no final de outubro. A investigação, que estava inicialmente sob responsabilidade do ministro Francisco Falcão, passou a ser conduzida por Cristiano Zanin, que também requisitou à Polícia Federal uma nova equipe para dar continuidade ao caso.