Investigações apontaram que depoimentos do autor eram inconsistentes; caso foi confirmado como feminicídio
Após quase duas semanas de investigação, a polícia concluiu que Jussara Pereira, de 60 anos, foi vítima de feminicídio. Jussara morreu no dia 28 de setembro, dois dias após ser baleada no abdômen. A principal suspeita – que se concretizou no decorrer das investigações – era que o autor do disparo teria sido o marido da vítima.
Isso porque duas noites antes da morte, o homem levou Jussara à Santa Casa de Campo Grande, baleada e inconsciente, e deixou o local assim que o atendimento teve início. O suspeito só se entregou à polícia no dia 30 de setembro.
Inicialmente, o homem disse à polícia que teria sido um disparo acidental. No entanto, a dinâmica apresentada não convenceu as delegadas da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam).
Isso porque o homem afirmou que estava indo com a esposa para São Gabriel do Oeste, e que passariam em um supermercado localizado na Avenida Duque de Caxias para fazer compras antes de seguir viagem. No entanto, o local onde o crime aconteceu não estava na rota apresentada pelo suspeito.
Questionado mais uma vez, ele mudou o depoimento, dizendo que havia ido até a casa do pai para buscar uma ferramenta. Procurado, o pai afirmou que não estava na cidade naquela data. O veículo também não estava “quebrado”.
A delegada Analu Ferraz revelou ainda que o homem havia apresentado uma outra versão, de que queria tirar a própria vida, e estava indo com Jussara naquela direção para poder conversar com ela e pedir que ela cuidasse dos filhos e do dinheiro.
“Só que eu questionei a ele: ‘a intenção do senhor era que a dona Jussara visse o senhor tirando a própria vida?’, e aí na hora ele deu uma segurada”, disse a delegada.
Ferraz também questionou o autor se Jussara sabia dirigir, e ele respondeu que não, ou seja, se ele realmente tirasse a própria vida, como mencionou, a mulher não teria como deixar o local.
Alguns radares e câmeras de segurança foram checadas, e as imagens mostraram que Jussara já estava debruçada sobre o painel do veículo antes mesmo do carro sair de Campo Grande. Isso, segundo a delegada, indica que ele percorreu mais de 20 quilômetros com a esposa ferida dentro do veículo antes de procurar por socorro.
“Então ele deixa a vítima na santa casa, liga para o filho no meio do caminho, se evade do local, depois abandona o veículo, descarta a arma do crime e o travesseiro utilizado”, acrescenta Analu Ferraz.
O travesseiro em questão pode ter sido utilizado para abafar o som da arma. Tal fato ainda será confirmado pela perícia.
“Na versão dele, ele disse que foi a dona Jussara quem descartou isso, mas na posição em que a arma e o travesseiro foram encontradas, ela já estando ferida, seria impossível ela ter jogado. Então, nós começamos a desconstruir todas as informações trazidas, e comprovamos que Jussara já estava ferida antes de sair do perímetro urbano. Então concluí o inquérito de que foi feminicídio consumado”, conclui a delegada.
Doença pode ter motivado o crime
Analu Ferraz revelou que uma das testemunhas ouvidas afirmou que nos últimos 90 dias o homem havia “desenvoltivo” uma possessão por Jussara, a ponto de controlar o celular, quem ligava, quem falava com ela.
A testemunha disse ainda que o homem tem doença de Parkinson, uma condição neurológica degenerativa que afeta o sistema nervoso central e o sistema motor, e que ultimamente o quadro vinha se agravando.
Por isso, a delegada trabalha com a possibilidade de que ele não queria que Jussara se envolvesse com outra pessoa caso ele morresse, ou caso a doença se agravasse mais.
“Eu acredito que a intenção tenha sido matar Jussara e depois se matar, coisa que acabou não acontecendo”, acrescentou a delegada.
Números
Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que 24 mulheres foram vítimas de feminicídio, entre 1º de janeiro e 14 de outubro de 2024, em Mato Grosso do Sul.
Em 2023, 30 mulheres foram vítimas de femincídio no Estado. O ano anterior, 2022, havia sido o recorde no número de casos desde que a lei foi instituída, em 2015. Foram 44 vítimas registradas no sistema da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul (Sejusp).
Em 2021, o Estado registrou 37 feminicídios. No ano de 2020, 41 mulheres foram mortas por serem mulheres. Em 2019, foram 30 vítimas; e em 2018, 36.
Em 2017, o número de vítimas foi de 33 mulheres. No ano de 2016, o Estado computou 36 feminicídios, e em 2015, 18.
DENUNCIE
Sem sair de casa:
Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher faz uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.
O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.
A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher.
O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.
Registre a denúncia no site da Polícia Civil
Se não puder sair de casa ou usar o telefone, acesse o site www.pc.ms.gov.br, clique no link “B.O. ONLINE – DELEGACIA VIRTUAL” e, no Serviço ao Cidadão, clique em “REGISTRAR DENÚNCIA – Violência contra a mulher”, preencha os campos com as informações solicitadas (você não precisa se identificar). Nesse canal, também é possível fazer denúncia de violência contra criança e de violência contra pessoa idosa.
É possível também fazer a denúncia online na Polícia Civil, por meio de aparelho celular, no aplicativo MS DIGITAL, no ícone Segurança. O aplicativo está disponível nas nas lojas virtuais para versões IOS e Android, o MS Digital foi desenvolvido para reunir o máximo de serviços públicos, ocupando pouco espaço nos aparelhos celulares.
SE PUDER COMPARECER À UMA DELEGACIA, você fará o registro do boletim de ocorrência, narrando os fatos para a autoridade policial e dando início à investigação criminal.
Em Campo Grande, em caso de violência contra meninas (menores de idade) ocorrida no período noturno ou finais de semana, a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), localizada na Casa da Mulher Brasileira, faz o atendimento e posterior encaminhamento para a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e Adolescente (DEPCA) .