Em 2019 a Justiça já havia determinado fim da falta de medicamentos, mas a carência persite e por isso o MPE abriu nova investigação nesta sexta-feira
Cinco anos depois de o Ministério Público Estadual conseguir na primeira e segunda instância da Justiça uma decisão obrigando o Governo do Estado a acabar com a falta crônica de medicamentos para o tratamento contra o câncer no Hospital Regional de Campo Grande, o problema continua e por isso virou alvo de mais um inquérito civil instaurado pelo MPE.
A decisão sobre a abertura do inquérito foi publicada no diário oficial do MPE nesta sexta-feria (20) e entre as justificativas o promotor Marcos Roberto Dietz escreve que “a gravidade das falhas, em especial quando ocorre no campo da oncologia, pode resultar no agravamento do quadro dos pacientes, terminando, não raras vezes, no aumento da demanda hospitalar e majoração dos índices de mortalidade por câncer no Estado”.
Na abertura da investigação, a promotoria diz que recebeu relatos de pelo menos dois pacientes nas últimas semanas. “Já não é a primeira vez que falta. Remédio essencial para salvar vidas’. A segunda reclamante diz que “Não é a primeira vez, isso tem sido recorrente, com isso tem atrapalhado meu tratamento e meu processo de cura,” informaram os pacientes ao MPE.
Além de relatos de pacientes que procuraram o MPE, o inquérito mostra o desespero dos próprios médicos com a situação. Em carta enviada à promotoria no dia 2 de setembro os profissionais dizem que “tais falhas geram real perda da possibilidade de cura, progressão evidente da doença e óbitos”.
Em suas justificativas para abertura de nova investigação o promotor explica que “o Estado de Mato Grosso do Sul e a Fundação Serviços de Saúde (FUNSAU), passados mais de 5 (cinco) anos da decisão judicial citada em linhas anteriores, não adotaram as providências cabíveis para fornecimento contínuo de medicamentos aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, antes e depois da decisão judicial é observado o grave cenário de desabastecimentos de medicamentos básicos do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, implicando reconhecer falhas estruturais e estratégias nos procedimentos de aquisição e distribuição dos itens”.
A promotoria até já ouviu os representantes do hospital para explicarem a demora na compra. Estes, por sua vez, deixam claro que existe um “racha” na administração estadual, que está preparando a “privatização” do hospital. Os administradores reclamam que perderam a autonomia para fazerem as compras. Esta responsabilidade passou para a Secretaria de Administração.
“Os processos de compra conduzidos pela Secretaria de Estado de Administração (SAD) são marcados por excessiva morosidade, de modo que “a maioria dos processos de compra iniciou em 2023, permanecendo por meses na SAD sem andamento”, explicaram os administradores ao promotor.
Essa centralização das compras ocorre desde meados do ano passado, conforme a direção do hospital. E, além de provocar mortes, ela onera os cofres públicos, embora o objetivo da centralização fosse exatamente o contrário. “As compras emergenciais realizadas HRMS têm sido mais econômicas do que as realizadas regularmente pela SAD”, relatou a direção do hospital à promotoria.
E não é um ou outro medicamento que está em falta. “Os atrasos incidem sobre demanda contínua (não há itens novos), 88 (oitenta e oito) quimioterápicos, sendo cerca de 15 (quinze) de consumo mais frequente. Atualmente a falta tem ocorrido de modo geral, não só em quimioterápicos, o que também se atribui à crescente demanda oncológica”, diz o texto do inquérito.
ALTA NA PROCURA
A direção do hospital acredita que existe alguma irregularidade no aumento desta demanda. “Sugerem que se comparem os números de atendimentos oncológicos entre os hospitais, pois há muita discrepância, de modo que o HRMS tem sido mais onerado pela regulação do que outros hospitais desta capital que oferecem serviços oncológicos”.
Ou seja, dão a entender que faltam medicamentos porque a regulação, que é municipal, manda gente demais para o Regional. Em média, diz a direção do hospital, eram 300 por mês em 2022. No fim do ano passado, essa média mensal já estava em 450. A quantidade de novos casos saltou de 15 para 45 mensalmente de 2022 para 2023. Em maio de 2024 havia 641 pessoas em tratamento, com 53 novos casos.
Em vistoria feita em março deste ano ano pelo MPE, também foram constatados outros graves problemas no hospital. Um deles é a falta de profissionais da enfermagem, o que obrigou inclusive a desativação de leitos para pacientes oncológicos.
Nesta mesmo vistoria também foi constatado que os pacientes enfrentam extremo calor, pois não havia ar condicionado. Aqueles que conseguiam, traziam ventilador de casa.
FALTA DE CONTRATOS
O inquérito também evidencia que os problemas do hospital não se restringem à demora na aquisição de medicamentos. A direção revelou ao promotor situação delicada com os setores de anestesiologia e limpeza hospitalar.
“O contrato venceu ano passado e desde então estão pagando por indenização (reconhecimento de dívida). A estrutura do hospital somente comporta a contratação da Servan, por ter um corpo maior de profissionais, porém, a nova lei não permite a contratação emergencial da mesma empresa. E, não é possível contratar anestesistas de fora, pois necessitam de profissionais locais para que o serviço não tenha interrupções. O serviço de lavanderia também está provocando pagamento de indenizações”, relata o promotor no inquérito.