Prisão de Francisco Cezário, o “ditador do futebol sul-mato-grossense” traz a tona anos de corrupção, ‘vista grossa’ e influencia dentro do poder público
O Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) faz, nesta terça-feira (21), operação contra crimes de lavagem de dinheiro e desvio de recursos da Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul. O presidente da entidade, Francisco Cezário de Oliveira, foi preso em operação.
A operação, chamada de “Cartão Vermelho”, mira o desvio de verba repassada à federação pelo governo do estado e pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Ele passou por audiência de custódia na manhã desta quarta-feira (22), em que o juiz solicitou a remessa do processo para a vara onde foi expedido o mandado de prisão, pelo fato de o dirigente não ter sido preso em flagrante, mas sim sob força de mandado de prisão.
Conforme informações do Gaeco, o grupo liderado por Francisco Cezário realizava pequenos saques de até R$ 5 mil para não chamar atenção dos órgãos de controle. De setembro de 2018 a fevereiro de 2023, foram identificados desvios que superaram os R$ 6 milhões.
Somente durante o cumprimento dos mandados nesta terça-feira foram apreendidos mais de R$ 800 mil, inclusive em notas de dólar. Revólver e munições também foram apreendidos.
As contas não batem
A FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul), comandada por Francisco Cezário há 26 anos, encerrou o ano contábil de 2023 com perda de patrimônio e rombo declarado de R$ 971 mil nas contas. Isso é o que revela prestação de contas da entidade.
O relatório contábil da prestação de contas foi publicado pela federação de futebol e é datado de 31 de dezembro de 2023. A auditoria registra toda a movimentação declarada da instituição e revela empréstimos feitos, aumento de depreciação de patrimônio e o dinheiro em caixa ao fim do ano.
Entretanto já no ano de 2024, a FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul) recebeu R$ 1,2 milhão em recursos estaduais pouco mais de dois meses antes de ser alvo da Operação Cartão Vermelho.
Além disso a federação recebeu, conforme levantamento obtido, da Fundesporte (Fundação de Desporto e Lazer de MS) R$ 8.327.803,20 desde 2015 para investimentos nos campeonatos estaduais. Nos últimos três anos, o recurso do FIE (Fundo de Investimentos Esportivos) ultrapassou a cifra do milhão. Isso sem contar com os repasses da CBF.
Influência de um autocrata
Cezário só conseguiu se manter à frente do futebol de Mato Grosso do Sul por tanto tempo porque teve a complacência de políticos de todos os partidos que comandaram o Estado nos últimos 20 e poucos anos. O ‘autocrata’ do futebol conseguiu segurar diversas investidas contra federação no passar dos anos.
Em 2019, o então Deputado Estadual Evander Vendramini (PP) cogitou pedir abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para abrir o que considera a “caixa-preta” da Federação de Futebol de MS. O parlamentar, na época, disse que a entidade não tinha transparência no repasse via órgãos públicos e CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Após a Operação Cartão Vermelho, o Deputado Estadual, Rinaldo Modesto (PODEMOS), atualmente Presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto foi questionado sobre a operação que põe o Presidente da federação no ‘olho do furacão’.
Em resposta a imprensa o parlamentar disse que iria “acompanhar de perto [a operação] até porque tem dinheiro público envolvido”.
“É natural que todos os cidadãos de Mato Grosso do Sul têm o direito de acompanhar pare passo o que está acontecendo. Onde tem recurso público, temos que estar analisando com muita cautela. A comissão vai acompanhar”.
Afirmou o parlamentar.
Além de grande ‘influência’ na casa de leis do Estado, Francisco também gozava de grande participação do montante que era repassado pelos clubes via a CBF. Mesmo sem nenhum clube disputando qualquer grande divisão, o repasse para o Futebol Sul-Mato-Grossense, está entre os maiores do pais.
Embora os balanços anuais não divulguem os repasses da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS) é uma das “queridinhas” da entidade máxima do futebol brasileiro. Em 2021, por exemplo, a entidade comandada por Francisco Cezário recebeu a “bagatela” de R$ 180 mil mensais, ficando atrás apenas de outras quatro federações.
No total, naquele ano, o futebol de MS, o terceiro pior no ranking das federações, foi contemplado por R$ 2,15 milhões da CBF, sendo que a maior parte dos estados recebeu “apenas” 1,2 milhão. Somente os estados do Pará, Paraná, Goiás e Santa Cataria receberam um pouco mais. O Paraná recebeu R$ 3 milhões.
E, além desta mesada, Francisco Cezário, que está no oitavo mandato à frente da Federação, recebeu ainda cerca de R$ 1,5 milhão de outras fontes. A principal delas foi de repasses estaduais. Somente para bancar o campeonato estadual da Série A foram em torno de R$ 820 mil.
A investigação do Ministério Público sobre a suposta organização criminosa que comanda a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS) aponta que os dirigentes dos clubes tinham conhecimento e eram coniventes com a corrupção. Prova disso é que Aparecido Alves Pereira, ou Cido, um dos presos na terça-feira (21), “recebeu em sua conta pessoal mais de R$ 450.7331 de clubes de futebol entre os anos de 2019-2023 sem qualquer justificativa aparente”, diz o texto do Gaeco ao pedir a prisão dele e de outros seis “cabeças” do esquema.
Os repasses da Federação aos clubes são feitos da conta oficial da instituição. Pagamentos dos clubes, porém, eram depositados em outra conta, de uma pessoa física.
E, ao depositarem dinheiro na conta pessoal de Aparecido ficava claro que havia algo de errado, a não ser que os diretores destes clubes fossem extremamente ingênuos ao ponto de não saberem que estes depósitos teriam de ser feitos na conta oficial da Federação
Esta suposta conivência dos clubes com o esquema de corrupção também fica evidenciado pelo fato de não existirem, pelo menos publicamente, denúncias de que pagamentos fossem feitos na conta particular de Aparecido Alves Pereira.
E, graças ao voto destes dirigentes de clubes é que Francisco Cezário conseguia se perpetuar no comando da Federação, da qual desviou, segundo o Gaeco, mais de R$ 6 milhões somente entre setembro de 2018 e fevereiro de 2023.
Prestação de contas ‘maquiada’
Interceptações telefônicas feitas pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) revelaram como Francisco Cezário de Oliveira, presidente da FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul), arquitetava formas de desviar milhões em recursos públicos da entidade – que recebeu mais de R$ 15 milhões do Governo do Estado e CBF nos últimos anos -.
Em conversa com um homem identificado como Romeu (Gaeco não confirmou se seria um dos vice-presidentes da entidade), os dois bolam artimanhas para embolsar o dinheiro da FFMS.
“Nós não temos um jeito de inventar um projeto pra nós ganhar dinheiro cara, um projeto ali por exemplo (n/c) ali no interior de SÃO PAULO tem um projeto da, das, dos times de futebol das prefeituras, não sei se você conhece esse projeto o ADACHITO uma vez trabalhou nele, você lembra ou não?”.Questiona Romeu.
Então, Cezário responde: “Entende, Romeu? Eu estava pensando…vamos. Tá louco, rapaz, nós precisamos ganhar dinheiro desse futebol”.
Logo, para o Gaeco, o diálogo “denota que a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul era utilizada para receber vantagens indevidas, com o desvio de verbas públicas”.
As transcrições foram citadas pelo juiz Eduardo Eugênio Siravegna Junior, da 2ª Vara Criminal, para justificar o pedido de prisão preventiva do grupo de Cezário, no contexto da Operação Cartão Vermelho.
Outro ponto que ficou claro nas investigações é o fato de que o grupo de Cezário atuava em conjunto para também receber montantes ilícitos. Trecho de relatório do Gaeco aponta que conversa entre Umberto Alves Pereira, sobrinho de Cezário que fazia o financeiro da entidade, com Rudson Bangarim Barbosa, gerente de TI da federação, evidencia que a federação atuava de forma apenas para beneficiar o grupo, com projetos que tinham como finalidade desviar dinheiro.
“Se ele falar Cezário, eu tenho 500 mil no ano, você pega três projetos. O sub, porque, na realidade, o dinheiro é para ele e não é para o campeonato, não é verdade?”.
Dessa forma, para encobrir os valores desviados, o grupo de Cezário combinavam formas de ‘maquiar’ a prestação de contas encaminhadas à CBF: “não não, faz assim ve se você acha, eu tenho o valor aqui, vamo dar uma maquiada e mandar risos a mais ce tem, num tem, da pra dar uma maquiada e mandar pra ele? n/c mandar, colocar o valor ai?“.
As investigações apontaram a inserção de declarações falsas nas prestações de contas da FFMS. Conversa entre Umberto e o responsável técnico que assina a prestação de contas da entidade, Erley Freitas da Rocha, mostra que os dois combinaram registrar saldo devedor de R$ 70 mil, sendo que o valor real, de R$ 490 mil, segundo Umberto, seria muito alto para ser explicado.