Questionamento foi um dos pontos levantados durante primeira audiência do caso, realizada nesta segunda-feira
Na tarde desta segunda-feira (3), foi realizada a primeira audiência de instrução para ouvir as testemunhas de acusação e defesa do caso que tem como réu o policial militar reformado, José Roberto de Souza, acusado por matar a tiros o empresário Antôno Caetano de Carvalho, durante uma audiência de conciliação realizada no dia 13 de fevereiro deste ano no Procon Estadual.
O PM era cliente da vítima, que era proprietária da empresa Aliança Só Hilux, especializada em peças de Hilux e SW4. As audiências no Procon buscavam solução para uma desavença entre ambos devido a falta de entrega de notas fiscais dos serviços realizados pela empresa e do pagamento de uma troca de óleo por parte do réu, segundo informações apresentadas durante audiência.
Um dos pontos que chamam atenção da promotoria, além do fato de o polícial reformado ter utilizado uma arma com registro vencido há oito anos para praticar o crime, é o fato de que a Toyota SW4 do réu era blindada.
Questionada, uma das testemunhas de defesa ouvidas durante a audiência, um homem que conhece José Roberto há 20 anos, disse não saber o porquê da vítima utilizar um carro blindado, e afirmou que o acusado sempre teve carros caros.
Em entrevista ao Correio do Estado, o advogado de defesa, José Roberto da Rosa, explicou que seu cliente não sabia que o carro era blindado quando comprou.
“Ele falou que o carro estava barato… Só que fez um péssimo negócio, né?” brincou.
O advogado não soube informar de qual ano é o carro, mas reforçou que é um veículo “velho”, que custou aproximadamente R$ 90 mil.
As duas testemunhas de defesa ouvidas nesta tarde afirmaram já ter prestado serviço para José Roberto como pedreiros em reformas de casas, serviço apontado por eles como “ganha pão” do réu.
A audiência
Foram ouvidas oito testemunhas, sendo seis delas de acusação e duas de defesa do réu. A principal delas, a servidora do Procon estadual responsável pela conciliação, Valéria Christina, não compareceu à audiência. Segundo o juiz, após o ocorrido ela foi transferida para outro órgão, e está afastada desde então por questões de saúde.
Os depoimentos que apresentaram mais detalhes do caso foram os do conciliador Luiz Alberto Moura Fernandes e o da advogada Wanessa Cristina, que estavam em audiência em uma sala próxima ao local em que ocorreu o crime.
Luiz Alberto explicou que o espaço do Procon reservado para as audiências se trata de um corredor com seis salas, divididas por divisórias simples, sendo três baias de um lado e três do outro. A sala em que ele realiza as audiências de conciliação ficam quase em frente à sala de Valéria.
“Não temos segurança no prédio, então é uma prática recorrente nossa pedir auxílio quando as coisas começam a sair do controle. Nesse dia, especificamente, eu me lembrava deles (acusado e vítima), porque eles foram em uma audiência também na sexta-feira. Notei que teve uma animosidade naquele dia, mas não tive tempo de perguntar para minha colega sobre o ocorrido”, comentou.
A testemunha destacou que lembrava apenas da gritaria, mas não sabia distinguir quem era quem ou do que se tratava.
“Na segunda-feira (data do crime) me lembro de ver eles chegarem. Vi que estava tendo uma animosidade e recebi um sinal da Valéria, então, fui na sala pedir para que cessassem a discussão. Só me recordo de uma das pessoas dizendo ‘Me respeita! Você acha que está falando com quem?'”, relatou.
Pouco depois de voltar para sua sala, ouviu os disparos.
“Como era uma situação que eu já estava monitorando, voltei a escrever a ata da minha audiência. Vi o acusado levantando, mas ao ouvir o primeiro disparo já me abaixei e pedi para as mulheres que estavam na minha sala também se abaixarem. Eu não consegui ver a vítima, apenas o acusado estendendo a arma”, afirmou.
Logo após os disparos cessarem e as pessoas começarem a gritar, Luiz foi até a sala para retirar Valéria do local.
A advogada Wanessa Cristina, que estava na sala de Luiz, viu os disparos, e contou com detalhes como foi aquela manhã.
“Minha noite foi horrível. Eu dormi muito mal, acordava em horários ‘picados’, então acabei chegando atrasada para a audiência”, relatou.
Por ser representante de várias empresas, Wanessa costuma participar de diversas audiências no Procon, e conhece os conciliadores e demais funcionários.
“Às 08h02 entrei na sala do Luiz e fiquei exatamente de costas para a sala em que aconteceram os fatos. Quando ele me chamou para a sala de audiência ele comentou comigo que os ânimos na outra sala estavam um pouco exaltados, e que ele já havia ido no local pedir para que os envolvidos retomassem a ordem”, relatou.
A advogada afirmou que estava sentada na cadeira quando ouviu um grito, de Valéria, e se levantou imediatamente para olhar para a sala.
“Quando levantei e me virei ele já tinha apontado a arma, eu o vi efetuando os três disparos”, afirmou. “Às 08h09 liguei para a polícia. Vi o corpo e percebi que não daria para chamar uma ambulância, ele já estava morto”.
Segundo Wanessa, no momento em que José Roberto realizou os disparos a vítima estava sentada.
“Ele não teve tempo nem de levantar”, acrescentou.
A testemunha relatou ainda que, após os fatos, chegou a conversar com Valéria por um aplicativo de mensagens. Em áudios, a conciliadora explicou a ela tudo que aconteceu na sala.
“Ela contou que José Roberto havia agredido a vítima verbalmente várias vezes na audiência da sexta-feira. Na segunda-feira, a vítima havia pedido para que o acusado parasse com as agressões verbais”, revelou.
O material foi colhido, e deverá ser anexado às investigações.
Também foram ouvidos o filho da vítima, um funcionário de Caetano, um funcionário terceirizado do Procon e o investigador chefe da Primeira Delegacia de Polícia de Campo Grande.
Os fatos
Todos os depoimentos prestados nesta tarde apontam para uma série de desavenças entre o consumidor e o fornecedor ao longo de seis meses.
Em agosto do ano passado, José Roberto de Souza procurou pela empresa de Caetano para realizar a troca do motor de sua SW4. A empresa realizou a troca, e explicou que dentro de três meses seria necessário realizar a troca de óleo – que não estava inclusa no contrato -, um procedimento comum quando se troca o motor do veículo.
No mês de novembro, José Roberto procurou novamente pelos serviços de Caetano para reclamar sobre problemas no motor. No entanto, o serviço de reparo era terceirizado, e a empresa responsável já havia entrado em recesso de fim de ano, com previsão para retornar apenas no fim de janeiro.
Entre novembro e janeiro, José realizou a troca de óleo, e o serviço não foi pago, como uma “garantia” de Caetano de que iria resolver o problema no motor.
No fim do ano passado, o cliente procurou pelo Procon, mas a audiência foi marcada apenas para fevereiro. Em janeiro, conforme prometido, a empresa terceirizada realizou os ajustes no motor, e o veículo foi entregue ao cliente.
Com a audiência de conciliação do Procon já agendada, José Roberto aproveitou para solicitar ao prestador de serviço as notas fiscais que comprovavam os serviços e pagamentos efetuados. Caetano aproveitou a ocasião para cobrar os R$ 630,00 da troca de óleo, que não haviam sido pagos.
Após muita discussão e animosidade, a audiência da sexta-feira, 10 de fevereiro, terminou com ambas as partes dispostas a cumprir suas pendências. Na segunda-feira, Caetano levaria as notas fiscais e José Roberto o valor que devia.
No entanto, segundo os advogados de defesa, o valor da nota fiscal era inferior ao valor pago pelo acusado pelos serviços. Por esse fator, José Roberto teria se exaltado e efetuado os disparos.
A próxima audiência do caso ficou marcada para o dia 25 de agosto. Nela, serão ouvidas outras duas testemunhas de defesa, o acusado e, se conseguirem contato, a conciliadora que acompanhava o caso.
Conteúdo retirado do Correio do Estado.