Em um depoimento confuso, Maranhão revela como encontrou o pesquisador na manhã de domingo, em frente a boate e os caminhos até o assassinato
As investigações sobre a morte de Danilo Cezar de Jesus Santos, de 29 anos, caminham para provar que o pesquisador em antropologia social – encontrado sem vida em um terreno baldio no bairro Amambai, em Campo Grande no domingo (5) – foi mais uma vítima de homofobia no Brasil. Em meia hora de interrogatório do assassino, Railson de Melo Ponte, o “Maranhão”, 27 anos, as declarações preconceituosas e o desprezo em relação à vítima aparecem de forma escancarada, inclusive com palavras chulas que não serão de todo repetidas nesse texto.
Ao se referir ao pesquisador da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), na frente da autoridade policial, Maranhão o define como “o gayzinho”.
Na conversa de meia hora com o delegado José Roberto de Oliveira, da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), que está anexada ao auto de prisão enviado à Justiça, ao qual o Primeira Página teve acesso, Railson, de 27 anos, falou sem muitos freios sobre o motivo de ter matado Dan: o suposto assédio e o sumiço de R$ 50,00.
Em um depoimento confuso e de palavras de baixo calão, Maranhão afirma ter encontrado o pesquisador na manhã de domingo, em frente à boate em que Danilo foi visto pela última vez com vida. Foi a droga, segundo ele, que aproximou os dois. Na versão do suspeito, Dan queria comprar cocaína e depois de “emprestar” R$ 50,00 para ele, saíram juntos atrás de “pó”.
O destino traçado, no entanto, levou os dois a terreno baldio da rua Alan Kardec, no bairro Amambaí, mesmo local em que o corpo do pesquisador foi encontrado na manhã dessa quarta-feira (8). A rua fica vizinha à antiga rodoviária de Campo Grande, um conhecido ponto frequentado por dependentes químicos e traficantes.
Homofobia e droga
É no terreno, segundo o assassino confesso, que as coisas “saem do controle”. Sem encontrar o que queria, Maranhão diz ter se “contentado” com a pasta base recebida de um outro usuário, que estava no mesmo local, um pouco mais afastado. Dan teria feito o mesmo.
“Ele deu um pega lá e veio com essas brisas”.
A “brisa”, afirma o suspeito, é a proposta de sexo. No depoimento, Maranhão conta que estava fumando quando Danilo se aproximou para contato sexual.
Delegado: Ele quem?
Maranhão: O gayzinho
Delegado: O rapaz com quem você saiu da boate?
Maranhã: É. Ele queria fazer programa, entendeu?
Nesse momento, começa a violência, conforme o relato do homem preso. Maranhão alega que primeiro agarrou o pescoço de Dan para afastá-lo. “Quando afastei ele para lá, foi a hora que ele virou. Quando ele virou, ele já tava com as calças caídas. Foi a hora que eu tive a oportunidade de dar o mata-leão”, afirma à autoridade policial.
Segundo o próprio depoimento do autor, Dan morreu de costas para o assassino.
“Achei que ele tinha só desmaiado. Como ele tinha pego meu dinheiro e eu não tinha mais nada, peguei o celular dele e sai correndo”. O celular era um iPhone e por isso o autor desistiu de trocar na “boca de fumo” e jogou no córrego.
Por mais de uma vez, Railson alegou que não queria ter matado Danilo, mas em momento nenhum do depoimento demostra arrependimento. Pelo contrário, parece “tranquilo” mesmo depois da prisão, e usa tom de pouco caso com a vida que tirou.
A preocupação na conversa é outra; fazer o delegado entender que ele não é homossexual, que não teve relação com a vítima e que nunca se envolveu com outro homem.
Maranhão: Ninguém combinou de fazer programa. A gente tava usando droga. Usando droga.
Delegado: Você já teve relação sexual com pessoa do mesmo sexo?
Maranhão: Nunca. Conheço um monte de gay que tem no centro, todo mundo me respeita.
A versão de Maranhão, no entanto, vai contra o que a perícia preliminar encontrou no local do crime, e também é contestada pelos indícios de comportamento que a polícia identificou no suspeito. “Possuía lesões no joelho, compatíveis com ato sexual e aparentemente havia uma lesão no pescoço em decorrência de constrição”, descreve o boletim de ocorrência.
Justamente por isso o delegado insiste, no interrogatório, sobre contato sexual. E Maranhão repete. “Eu acredito que não. Não que eu lembre, porque eu tava dois dias amanhecido também. Mas não, impossível”.
Delegado: O que deu a entender é que você não admitiu aquela situação dele ser homossexual e ele estar querendo fazer sexo contigo
Maranhão: Sim. Eu não tinha feito programa com ele, de marcar valor nem nada. Nos estava atrás de droga”
Delegado: E ai você não admitiu aquela situação
Maranhão: Sim. É o que eu falei para você é que na hora que ele veio esfregando, foi a hora que eu tive a oportunidade de dar o mata-leão. Ele já tinha sumido com meu dinheiro. Não mostrou mais dinheiro. Não tinha mais droga. Eu falei; o celular dele tá ali. Nunca pensei que o cara ia morrer. Só isso ai para si sair dele e pra pegar meu prejuízo em cima do celular dele.DIÁLOGO DE MARANHÃO COM O DELEGADO JOSÉ rOBERTO de oliveira junior
Já se envolveu em um assassinato
Railson de Melo Ponte é nascido em Maranhão e mora sozinho em Mato Grosso do Sul. Para a delegado, explicou que viva na rua há cerca de um ano por teve “tudo roubado”. Disse usa todos os tipos de entorpecente. “Uso de tudo. Base, pó, maconha”.
Essa não é a primeira vez que vai preso, nem a que mata. No Nordeste tem passagens por roubo e por homicídio, que segundo ele, foi em legítima defesa e já está arquivado. Em Mato Grosso do Sul, já foi flagrado com drogas nas ruas de Campo Grande.
Como punir a homofobia
Em explicação ao Primeira Página, o delegado responsável pelo inquérito disse que a causa da morte ainda vai ser apontada pelo laudo necroscópico. Não está definido ainda que foi o mata-leão citado por Railson o golpe fatal em Danilo.
Na visão da autoridade policial, os elementos de homofobia presentes no crime estão claros. Como a homofobia não é um agravante de homicídio pela lei brasileira, o indiciamento de Railson inclui esse entendimento no motivo torpe. Outras duas qualificadoras são asfixia e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Maranhão vai ser submetido a audiência de custódia, quando o juiz avalia se a prisão obedece os ditames legais. O flagrante foi por ocultação de cadáver. Foi pedida pelo delegado a prisão preventiva pelo homicídio, ainda não apreciada.
Conteúdo retirado do Primeira Página.