“Penso em você. E você? Diz a verdade. Sem justificativas. Sim ou não”. Essa é uma das frases enviadas pelo então deputado estadual à denunciante
Quando surge um escândalo envolvendo suspeita de crimes contra a dignidade sexual, vêm à tona roteiros parecidos para as ações do principal personagem envolvido, o suposto “predador sexual”. Costuma haver um padrão no comportamento e é isso que está sendo evidenciado pela equipe da investigação em curso pela Polícia Civil contra o ex-prefeito de Campo Grande Marquinhos Trad (PSD), de 57 anos, candidato ao governo de Mato Grosso do Sul.
Alvo de inquérito com 15 vítimas identificadas, Marquinhos é traduzido na apuração policial como alguém que usa, há bastante tempo, suas funções públicas como forma de trocar ajuda e benefícios por sexo. Há semelhanças na forma de agir de Marquinhos, revelam os depoimentos tomados.
O Primeira Página teve acesso ao testemunho oficial de uma mulher, que é policial, cuja vida foi impactada seriamente, quando Marquinhos era deputado estadual, segundo ela. Ela está entre as vítimas já ouvidas pela Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher), pois tomou coragem para contar o episódio, ocorrido muito antes das acusações agora tornadas públicas, em plena campanha eleitoral.
No gabinete da Assembleia Legislativa
Conforme o relato à polícia, tudo começou exatamente quando ela pediu auxílio ao parlamentar, mais de 7 anos atrás, um ano antes de político disputar a eleição para prefeito de Campo Grande e alcançar a vitória.
Trabalhadora da segurança pública, ela não será identificada neste material, para proteger a privacidade.
Pelo que chegou até à Deam, o contato com Marquinhos Trad foi durante uma reunião para algo natural ao trabalho de um representante do povo: receber pedidos para intermediar causas dos eleitores.
Na época, em janeiro de 2015, o parlamentar foi bastante solícito, sugerem os detalhes informados à Polícia Civil. O parlamentar recebeu a mulher, junto com um colega, e prometeu trabalhar para ajudá-los. Na saída dos dois, fez questão de pegar o número do retorno, mas só o dela.
Nas declarações feitas aos investigadores, a denunciante conta que, findada a conversa, o então deputado a chamou de volta. Deu um aperto de mão, inclinou o corpo para abraçá-la e nesse instante, a beijou no rosto, além de “colou o tórax aos seios”.
Depois da despedida, as mensagens insinuantes vieram logo, na sequência de um agradecimento pelo oferecimento de auxílio.
“Penso em você”.
“E você?
“Diz a verdade”
“Sem justificativas”
“Sim ou não”
Essas palavras foram escritas no aplicativo Whatsapp, bastante usado pelo político para conversas com mulheres supostamente assediadas por ele, de acordo com o que o trabalho policial está indicando de suspeitas.
A essa denunciante, revela a investigação jornalística do Primeira Página, Marquinhos disse que só mandou esse tipo de mensagem por ter tido “sentimento”.
“Não sou criança e nem moleque. Já vivi e sei o que senti por você, por isso mandei mag (sic). Não duvide do seu sentimento”, prossegue o diálogo.
A fala ocorreu depois de a interlocutora argumentar não estar compreendendo a situação, por terem se visto apenas uma vez. A partir do que a trabalhadora na segurança pública contou, a insistência não parou por aí. Houve mais mensagens, além de ligações, e até fotos do parlamentar em agendas que teriam a ver com a demanda feita pela policial.
Mesmo com a policial rejeitando as investidas, houve insistência da parte do político, que pediu para telefoner e se explicar.
Confira na imagem abaixo outro trecho do diálogo.
Se fosse hoje, conforme operadores do Direito ouvidos pelo Primeira Página, o então deputado poderia ser enquadrado no crime de perseguição, o “stalking”, regulamentado em 2021.
Como não havia essa tipificação penal, ainda não está claro como esses fatos vão ser enquadrados na legislação em vigor.
Quando a delegada responsável pelo caso, Maira Machado, falou a respeito da peça investigatória, citou os crimes de assédio sexual, tentativa de estupro, favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual e importunação sexual. Um outro ilícito cabível é a improbidade administrativa, por usar meios públicos para as conquistas sexuais.
As investigações começaram em julho deste ano, com quatro possíveis vítimas, mas hoje 15 mulheres já foram até a polícia para relatar crimes cometidos pelo ex-prefeito.
Conforme comprovam os detalhes obtidos pelo Primeira Página, são denunciantes com ocupações diversas, e de períodos distintos da vida política de Marquinhos Trad, iniciada em 2004, quando ele foi vereador em Campo Grande.
Consequências
O Primeira Página levantou que o contato de Marquinhos com essa vítima só parou quando ela, em tom de desespero, revelou que o namorado havia visto as mensagens e ligações. Esse fato, sugere a conversa da mulher com os policiais no inquérito atual, foi o ponto de partida para desentendimentos suficientes para acabar com a relação.
Ela também desenvolveu crises de ansiedade e tem dificuldade para ficar sozinha com autoridades.
Prints das conversas, indicando o telefone como sendo o do ex-prefeito, foram anexados aos autos.
Indícios
Todos os episódios de assédio atribuídos ao ex-prefeito estão sendo tratados num mesmo inquérito, inclusive esse ao qual a reportagem teve acesso. A operadora de telefonia confirmou se tratar do número de telefone dele nas mensagens de aplicativo.
Para levantar provas, foi realizada na semana passada operação de busca na prefeitura de Campo Grande, quando foram aprendidos dois computadores.
Ao autorizar a ação policial, a juiza Eucélia Moreira Cassal, da 3ª Vara Criminal, entendeu haver elementos contra o investigado.
“Há indícios de que o investigado, utilizando-se de sua posição política, influência e condição econômica, teria abordado mulheres, visando benefícios de cunho sexual e em troca oferecia vantagens financeiras, tanto em dinheiro quanto em cargos públicos e, em alguns casos, de forma intimidadora e com uso da força física”.
O que diz Marquinhos
Desde a vinda a público dessa investigação, a defesa de Marquinhos insiste na tese de uma armação política para prejudicar sua campanha. Ele admitiu relações sexuais, fora da prefeitura, e disse já ter pedido perdão à família.
Conteúdo retirado do Primeira Página.