Ao longo dos anos, situação é identificada principalmente em áreas do Pantanal, Porto Murtinho e no Cone Sul do Estado
Trabalhar isolado, ter cobrança de alimentos abusiva, chegar a ponto de ter uma dívida maior do que o valor que se tem para receber, viver sob lonas enquanto estiver executando um serviço, não ter água tratada para beber.
Essas condições têm sido comuns para centenas de trabalhadores em Mato Grosso do Sul nos últimos quatro anos. Esse sistema exploratório cresceu, no período de 2019 a 2021, mais de 88%.
Levantamento solicitado pelo Correio do Estado ao Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso do Sul (MPT-MS) identificou que, após o início da pandemia e as condições econômicas mais frágeis no país e na América do Sul, o trabalho análogo à escravidão tem crescido no Estado.
As condições desfavoráveis acontecem em diferentes setores e, até agora, foram identificadas em 13 municípios: Aquidauana, Bela Vista, Caracol, Itaquiraí, Campo Grande, Anastácio, Antônio João, Corumbá, Ponta Porã, Porto Murtinho, Rochedo, Nioaque e Sidrolândia.
O Ministério Público do Trabalho conseguiu resgatar funcionários que estavam na produção de carvão, na criação de gado, no cultivo de mandioca e soja e na extração de madeira.
Conforme os dados exclusivos obtidos, em 2019, foram 43 resgates feitos, sendo a grande maioria em Aquidauana e em Porto Murtinho, tanto de pessoas fazendo roçada de pastagem, como na construção de cercas e casas. Foram nove casos em ambos os municípios.
No ano seguinte, em Itaquiraí, houve situação mais grave, com 24 trabalhadores atuando em péssimas condições na colheita da mandioca. Em 2021, cinco menores estavam com 17 adultos no combate a plantas invasoras em plantações de soja em Sidrolândia.
Nesse mesmo ano de 2021, houve uma quantidade mais significativa de menores sendo encontrados em trabalho ilegal no Estado. Além do flagrante em Sidrolândia, um adolescente atuava na extração de madeira em floresta nativa de Anastácio com 15 paraguaios trabalhando ilegais.
No município de Antônio João, quatro menores de idade foram encontrados trabalhando catando pedras e raízes em plantações de soja.
Conforme a estatística de resgates, o ano passado foi o que teve mais registros, na comparação de números até 2019. E neste ano a situação persistiu até maio, data dos últimos dados obtidos.
Tanto em Porto Murtinho como em Bela Vista houve o maior número de casos de trabalhadores resgatados, sete em cada um dos municípios.
Na região onde está em implementação o Corredor Bioceânico, e há promessa de desenvolvimento a ser alcançado, indígenas foram colocados para aplicar herbicida em plantações, além de reformar cercas, mas sem o devido pagamento e uso de equipamentos adequados.
Dentro da série de dados de 2019 a 2021, Porto Murtinho foi o município que teve registros feitos pelo MPT em todos os anos. Algumas vezes, figurando com o maior registro de trabalho análogo à escravidão.
O procurador do Trabalho Jeferson Pereira, vice-coordenador da coordenadoria do MPT-MS de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, situou três regiões como mais graves no Estado: áreas do Pantanal (Corumbá e Aquidauana, principalmente), Porto Murtinho e Cone Sul.
“Trabalhadores migrantes e indígenas são os que atualmente têm se mostrado mais fragilizados e vulneravelmente expostos a essas formas de exploração, pois necessitam ganhar algum tipo de dinheiro para sua própria subsistência e acabam se sujeitando a essa forma de trabalho”, identificou o vice-coordenador do MPT-MS de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
SUBNOTIFICAÇÕES
Ainda que os registros desse tipo de trabalho têm aumentado, o MPT-MS reconheceu que há casos que não chegam a ser denunciados. Com isso, a realidade dessa exploração no mercado de trabalho é mais grave do que os números traduzem até aqui.
“A identificação de tais situações de exploração chega ao nosso conhecimento somente por meio de denúncias, seja dos próprios trabalhadores, seja de terceiros, e a denúncia nem sempre é feita. O apoio dos órgãos de segurança pública do nosso estado neste caso é fundamental, pois também comunicam estas irregularidades ao MPT. Por isso, ressaltamos que as denúncias são muito importantes para que possamos atuar”, explicou o procurador do MPT, Jeferson Pereira.
Para tentar combater os casos, o Ministério Público do Trabalho do Estado mantém canal aberto em seu site para denúncias. Há também um aplicativo de celular chamado MPT Pardal, que pode ser baixado no Google Play ou na Apple Store.
Qualquer pessoa pode fazer a denúncia e todas as apurações são conduzidas em sigilo, mesmo quando a situação acaba sendo levada à Justiça do Trabalho.
“O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul [MPT-MS] desenvolve diversas ações práticas com o intuito de combater a exploração do trabalho humano em condições análogas à de escravo. Uma das frentes envolve o resgate de trabalhadores nestas condições, em operações conjuntas com instituições parceiras como a Fiscalização do Trabalho [órgão vinculado do Ministério do Trabalho e da Previdência, do governo federal], Polícia Militar Ambiental [PMA], Polícia Civil, Polícia Federal, entre outras. Também são realizadas ações de sensibilização e conscientização de empregadores e da sociedade”, pontuou o procurador sobre formas de combater essa realidade.
A Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo de MS (Coetrae-MS) e o Coletivo de Trabalhadores Indígenas de MS também atuam no Estado contra essas condições de exploração.
SAIBA
Se enquadram em trabalho análogo à escravidão os seguintes pontos: condições degradantes de trabalho (incompatíveis com a dignidade humana, caracterizadas pela violação de direitos fundamentais coloquem em risco a saúde e a vida do trabalhador); jornada exaustiva (em que o trabalhador é submetido a esforço excessivo ou sobrecarga de trabalho que acarreta a danos à sua saúde ou risco de vida); trabalho forçado (manter a pessoa no serviço por meio de fraudes, isolamento geográfico, ameaças e violências físicas e psicológicas); ou servidão por dívida (induzir o trabalhador a contrair ilegalmente um débito e condicionar a finalização da relação de trabalho à quitação dele).