Alex Recarte Vasques Lopes foi assassinado em uma fazenda vizinha à comunidade Taquaperi no dia 21
O município de Coronel Sapucaia, que faz fronteira com Capitán Bado, Paraguai, registra um longo histórico de conflito entre fazendeiros e lideranças do povo indígena guarani kaiowá. Desde 2007, quatro pessoas da família Lopes já foram mortas na região por causa da briga pela terra.
O caso mais recente ocorreu no sábado. O jovem Alex Recarte Vasques Lopes, de 18 anos, foi morto em uma fazenda vizinha à terra indígena Taquaperi.
Conforme o relato de lideranças da comunidade, no sábado, Alex teria deixado a reserva Taquaperi, onde morava, com dois outros jovens guarani kaiowá para buscar lenha em uma área nos arredores da terra indígena.
Quando o jovem se distanciou para buscar lenha, foi assassinado a tiros, tendo seu corpo levado para o lado paraguaio, que fica a menos de 10 quilômetros dos limites da reserva indígena.
Em fotos do corpo do jovem enviadas pelas lideranças ao Conselho Indigenista Missionário Regional Mato Grosso do Sul (Cimi), foi possível identificar no corpo de Alex ao menos cinco orifícios compatíveis com projéteis de armas de fogo. A situação de embate foi o que motivou os guarani kaiowá a invadirem a área para retomá-la, conforme relatou uma das lideranças da comunidade, que preferiu não se identificar.
“Mataram um rapaz de 18 anos, é triste. Aqui na Aldeia Taquaperi nunca acontecem retomadas, é a primeira vez que acontece isso. Já perdemos muitos parentes na estrada, atropelados. Dessa vez, tomamos a decisão [de retomar]. Chega de perder nossos parentes, é dor para nós”, salientou a liderança ao Cimi.
Fontes ouvidas pela reportagem relataram que a prioridade é que o caso seja investigado com urgência pelas autoridades policiais.
Os indígenas dizem que não confiam nas forças de segurança estaduais e pedem, ainda, proteção urgente aos membros da comunidade, pois temem ataque.
Por se tratar de uma morte em uma área rural, a reportagem tentou contato com sindicatos rurais de municípios próximos a Coronel Sapucaia, haja vista que a cidade não tem uma entidade própria. Até o fechamento da matéria, não tivemos retorno.
Ao Correio do Estado, a Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) afirmou que “acompanha as notícias sobre o fato ocorrido e aguarda o trabalho oficial de investigação realizado pelas forças policiais”.
INVESTIGAÇÃO
A Polícia Civil afirmou ao Correio do Estado que chegou ao conhecimento da delegacia, por meio da liderança da Aldeia Taquaperi, que no dia 21 de maio, por volta das 11h, havia um corpo achado na cidade de Capitán Bado, no Paraguai, a poucos metros da divisa com Mato Grosso do Sul.
“O líder da aldeia foi até o Paraguai para saber informações sobre o ocorrido, e a polícia do Paraguai abriu o procedimento para apurar o caso. O corpo foi encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) do Paraguai, que o liberou para a irmã [de Alex]. O líder da aldeia informou que a vítima poderia ter sido morta na fazenda que faz divisa com a Aldeia Taquaperi, já que testemunhas ouviram seis disparos de arma de fogo”, disse a nota.
De acordo com a corporação, os indígenas desconfiam que a vítima pode ter sido morta próximo da terra da comunidade, tendo seu corpo deixado no país vizinho.
Policiais civis se deslocaram até a fazenda e constataram que o responsável não estava no local. “Não foi encontrado nenhum sinal ou indícios de disparo de arma de fogo ou sangue no local”, finalizou a nota.
REVOLTA
Em protesto contra a morte do jovem Alex Recarte Vasques Lopes, de 18 anos, ocorrida no sábado, o povo guarani kaiowá ocupou uma fazenda no município de Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai, na madrugada de domingo.
No início da tarde do mesmo dia, o acesso à retomada, denominada pelos indígenas de Tekoha Jopara, foi impedido por um bloqueio realizado por viaturas do Departamento de Operações de Fronteira (DOF).
A barreira foi posicionada na rodovia MS-286, que atravessa a terra indígena Taquaperi e também dá acesso a outras comunidades indígenas da região, que, na prática, ficam isoladas.
Indígenas do Tekoha Jopara relatam que, na tarde de ontem, drones sobrevoaram a retomada e fazendeiros se reuniram na estrada, próximo ao local onde os guarani kaiowá estão acampados.
Conforme apurado, a situação é de tensão. A comunidade teme que os indígenas que estão na área ocupada sejam atacados, por isso, pedem proteção às famílias acampadas.
HISTÓRICO
Em um intervalo de apenas dois anos, três importantes lideranças indígenas foram assassinadas em Coronel Sapucaia. A rezadora Xurite Lopes e Ortiz Lopes, em 2007, e Oswaldo Lopes, em 2009. Após 15 anos, os três crimes seguem sem condenações.
De acordo com o Cimi, o caso de Alex Lopes guarda semelhanças, também, com o caso de Denilson Barbosa, outro jovem guarani kaiowá morto por causa de conflitos de terras, em 2013, quando pescava com amigos em uma propriedade vizinha ao Tekoha Pindo Roky – incluído no perímetro da terra indígena Dourados-Amambaipeguá I.
A terra indígena foi identificada e delimitada em 2016 pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e está com seu processo demarcatório paralisado desde então.
Dados do Cimi apontam que Mato Grosso do Sul segue como um dos líderes em violência contra os povos indígenas. Em 2020, segundo os dados obtidos junto à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), 34 indígenas foram assassinados em MS, número inferior apenas ao dos estados de Roraima (66) e Amazonas (41).
Segundo o Conselho Indigenista Missionário, o Relatório de Violência aos Povos Indígenas de 2021 está sendo finalizado e deve ser divulgado nas próximas semanas. (Colaborou Thais Libni)
SAIBA
Segundo o artigo 22, inciso XIV, da Constituição Federal, todos os assuntos envolvendo as populações indígenas são exclusivos da União e, por esta razão, investigados pela Polícia Federal (PF).
Ao Correio do Estado, a PF disse que, por ora, as investigações sobre o assassinato de Alex Lopes estão a cargo da Polícia Civil, que iniciou os procedimentos.